Cobertura da mídia sobre a tragédia de Mariana é debatida

Movimentos sociais e populares, a Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT/MG), CTB e profissionais das mídias alternativas – edição mineira do Brasil de Fato e Jornalistas Livres – participaram, na noite de quinta-feira (19), do debate “Silêncio da Lama – A cobertura da mídia sobre a tragédia de Bento Rodrigues”, no Sindicato dos Jornalistas, Centro de Belo Horizonte. Eles denunciaram o bloqueio imposto pela Samarco, o controle das informações pela empresa, o cerceamento da liberdade de imprensa e de expressão, com a conivência de governos, dos parlamentares e repressão da Polícia Militar. Foram relatadas experiências na cobertura da catástrofe, no acompanhamento aos atingidos, a parcialidade do noticiário, muitas vezes censurado, omisso ou manipulado dos órgãos de imprensa, que não retrataram a realidade dos moradores das comunidades afetadas pela devastação provocada pelo rompimento da barragem do Fundão.

 

Os participantes do debate concluíram que o trabalho dos movimentos sociais e populares, em defesa dos direitos, da vida, da meio ambiente, pela punição dos responsáveis e de um novo modelo de mineração, só começou. As mobilizações e ações devem continuar, com um planejamento de anos, para evitar que o crime da Samarco, empresa controlada pela Vale e pela BHP Billiton, caia no esquecimento. O debate foi realizado pela sede mineira do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e mediado por Lidyane Ponciano, da Coordenação Política.

 

Para Beatriz Cerqueira, presidenta da CUT/MG, o mais assustador é o controle que a Samarco tem sobre as informações sobre a tragédia e sobre as ações. “O que mais me espanta é que a Samarco controla tudo. Daqui a pouco vamos pedir desculpas à Samarco e até dar dinheiro para ela por estarmos na lama. A Samarco faz terrorismo. Determina quem são atingidos. Estive em Mariana na segunda-feira (9) e as pessoas reclamavam que não podiam buscar seus pertences ou documentos. Fomos procurar o comando da PM, e ele estava na sede da Samarco. É como se isto fosse natural. E já tentam culpar os movimentos sociais pela demora da entrega das casas para os desabrigados. A imprensa não contesta as informações. A princípio, duas barragens foram rompidas. Agora sabemos que foi uma, e a Samarco não sabia. A empresa diz que foram 13 trabalhadores morreram, que são 637 pessoas desalojadas e desabrigadas. E fica por isso mesmo. A Samarco é que determinou que cada família vai receber um salário mínimo.”

 

A presidenta da CUT/MG também criticou o comportamento do governo estadual, do Ministério Público e dos parlamentares. “O governo precisa romper este controle, mas não vejo muita perspectiva de mudança. O Ministério Público tem um comportamento estranho. Fez um termo de ajustamento de conduta. Mas, que termo? Que conduta? Os parlamentares nos envergonham. Os vereadores de Mariana são deprimentes. Os deputados federais chegaram e foram levados ao local pela Samarco. Na segunda-feira (16), fizeram uma audiência pública e foram embora sem ouvir os moradores. Do Parlamento, só com muita pressão vai sair alguma coisa.”

 

O descaso com as outras cidades atingidas pela lama é ainda mais desanimador, segundo Beatriz Cerqueira. “O cenário é devastador em Governador Valadares. Por que a cidade não foi preparada para enfrentar a situação? Não se pactuou nada para Governador Valadares. Não se preparou a cidade para o impacto. Nós dos movimentos sociais e populares temos que atuar. Teremos muito trabalho no próximo período. O governo do Estado está perdendo a chance de fazer a discussão sobre a mineração, de se contrapor e propor uma nova dinâmica para a economia.”

Soniamara Maranho, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), avaliou que só a mídia alternativa mostrou completamente a realidade de Mariana e cidades atingidas pelo “tsunami de lama”. “A mídia tradicional omitiu muita coisa. Vivemos num sistema materialista, matriarcal e capitalista, que explora a força de trabalho e os recursos do planeta. Está em disputa quem vai coordenar os trabalhadores, a produção e a natureza. Estão envolvidas no rompimento da barragem e suas consequências nefastas duas das maiores empresas do mundo. Os militantes do MAB foram impedidos de se aproximar dos afetados. Em 2013 houve um alerta foi feito. E não usaram a alternativa de segurar a barragem de Candonga que fica no Rio Doce. A própria Samarco já admitiu que a barragem de Germano pode estourar se vier uma chuva forte. E a tragédia vai ser muito maior.”

 

Segundo Soniamara Maranho, a situação dos atingidos é muito tensa. “Não havia prepração para proteger os trabalhadores ou os moradores que estavam abaixo. Os familiares disseram que só ouviram um grande estrondo. Uma pedra enorme, que está no caminho, espalhou a lama, o que permitiu que muitos corressem e se salvassem. Ninguém prestou socorro durante a noite, depois de uma das piores catástrofes de todos os tempos. Minas tem que construir outra forma de minerar. Não está correta uma mineração que não é baseada em um processo que valorize a vida. Aqui só fica uma parte das migalhas, porque os donos das mineradoras visam apenas o lucro.”

 

O MAB, afirmou Soniamara Maranho, mantém 30 militantes em Mariana para ajudar os atingidos e atuar em defesa de seus direitos. “Queremos que seja refeito o diagnóstico e que haja um levantamento preciso do que as famílias perderam. Os processos não podem ser individualizados, as pessoas precisam ser retiradas dos hotéis e ir para moradias pagas pela Samarco, antes que suas casas sejam reconstruídas. Defendemos um salário mínimo por pessoa afetada, enquanto a empresa quer pagar um salário por família. Tem que resolver os problemas dos moradores, dos ribeirinhos, dos pescadores, dos índios. Matou-se uma fonte preciosa de recursos. Os pescadores estão passando fome. E tem a questão da água, que está contaminada. E o que é preciso fazer para outra barragem não se romper? Os moradores precisam sair e não têm para onde ir.”

 

“Temos que construir uma pauta coletiva. Nossa pressão e o momento demonstraram que houve garantimos avanços. A Samarco foi à reunião de negociação na terça-feira (17), enquanto a Cemig nunca sentou com o MAB para negociar. Mas precisamos de um planejamento de ações que dure dois, três anos, para que sejam acompanhadas as investigações e que nós também investiguemos e continuemos pressionando, com mobilizações, atos, para não deixar cair no esquecimento e mostrar sempre o que os movimentos sociais estão fazendo, dar visibilidade à luta, para que os atingidos digam o que querem, que não seja imposta qualquer solução. Nossa luta está apenas começando”, acrescentou Soniamara Maranho.

 

O presidente do Sindicato dos Jornalistas, Kerrison Lopes, acredita que, apesar da parcialidade, a cobertura da mídia tradicional desnudou os absurdos da mineração, cujos royalties deixados no Estado correspondem a apenas 2% da arrecadação bruta. Para ele, mesmo com a decadência e a falta de credibilidade das grandes corporações da imprensa, a cobertura da tragédia de Mariana trouxe um florescimento do jornalismo. “Foram produzidas grandes matérias. De certa forma, a cobertura foi livre. O Brasil de Fato e os Jornalistas Livres apresentaram o outro lado e foram muito importantes.”

 

“Estivemos em Mariana no dia seguinte, sexta-feira (6), e comprovamos que, numa guerra, a primeira vítima é a verdade, que foi invertida e manipulada. Levamos água e alimentos e fomos até o ginásio, onde 400 pessoas trabalhavam na triagem das doações. A grande mídia enfatizava apenas a solidariedade. Tentamos ir até Bento Rodrigues, mas, a 4 km de lá, a estrada acabou, só tinha lama. E vimos uma carvoaria funcionamento. Se houvesse fiscalização, esta carvoaria não poderia estar funcionando. Divulgaram que teria ocorrido um abalo sísmico. Só que, depois, disseram que o abalo seria decorrente do rompimento da barragem. Falaram que não havia lama tóxica, nem citaram os cinco metais pesados dos resíduos. Durante quase uma semana, afirmaram que seriam dois mortos. Depois a PM fez o bloqueio de toda a área. Governo e a empresa não estão sendo transparentes”, relatou Marcos Eliel, da CTB.

 

Bloqueios e repressão

Cláudio Cunha, da Associação de Repórteres Fotográficos e Cinematográficos (Arfoc-MG), protestou contra a falta de segurança para os profissionais. “Para cercear nosso trabalho, fizeram de tudo. Não pudemos ir ao velório de uma menina de 7 anos. Uma pessoa disse que fazia parte da família e nos impediu de cobrir. Descobrimos que ela era segurança da Samarco. A princípio, não deixaram a imprensa entrar no ginásio, onde estavam os desabrigados e as doações. Só conseguimos entrar com autorização do prefeito. Mesmo assim, uma mulher, dizendo-se assistente social, pediu para ver as imagens. Nos bloqueios, a PM alegou questão de segurança para impedir que chegássemos à área destruída. Sei que tem muito material que foi censurado pela grande mídia.”

 

Rafaella Dotta, da edição mineira do Brasil de Fato, também reclamou da falta de segurança. “A gente não se sente segura, pois há muita pressão da empresa, da Polícia Militar. Estamos falando de grandes empresas. Sofremos ameaças. Não teríamos conseguido fazer a cobertura sem o apoio dos Jornalistas Livres. O Levante Popular e o MAB ajudaram muito. Conseguimos retratar o que a grande mídia ignorou, pois só conversou com a Samarco, com as autoridades. Não procuraram movimentos que são fundamentais no caso das barragens, como o MAB, o Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM). Fui ao encontro com a presidenta Dilma Rousseff. Ela recebeu um documento construído pelo MAB sobre mineração. Fizeram uma cobertura muito grande, mas não falam do pós, o que vai acontecer com as pessoas depois. Por isso, fizemos a diferença.”

 

Para Aline Frazão, produtora da Rede Minas e integrante dos Jornalistas Livres, a emissora pública não se limitou às pautas comuns e as informações passadas por empresas e autoridades. “Conversarmos com o maior número de pessoas e fizemos o percurso da Lama. Chegamos até Resplendor e mostramos o drama dos índios. Fomos a várias localidades. As matérias foram muito elogiadas.”

 

“Fomos barrados quando tentamos fotografar as minas. O momento mais chocante foi registrar a lama chegando a Aimorés. Também emocionou ver as pessoas usando a água suja na periferia de Governador Valadares”, disse Gustavo Ferreira, fotógrafo dos Jornalistas Livres. A fotógrafa Isis Medeiros, dos Jornalistas Livres e do Levante Popular da Juventude, se decepcionou com as atitudes de colegas de imprensa. “Eu e os atingidos fomos desrespeitados. Fui empurrada na coletiva do Aécio Neves. Um cinegrafista quis usar meu ombro como tripé de uma câmera. Precisamos de mais pessoas para fazer a comunicação independente.”

 

Poliana Pasoline, Soraia Assis e Sabrina Lúcia, assistentes sociais do Espírito Santo, também contribuíram para o debate com o seu relato. “Estamos aqui para somar forças com vocês. Há uma grande angústia pela falta de informações no Espírito Santo. O assunto está saindo da mídia e a preocupação é muito grande, porque o santuário ecológico de Abrolhos está ameaçado, a lama está chegando às cidades capixabas. Por isso, realizamos mobilizações e atos, para nossa luta ter visibilidade. Estudantes fizeram manifestação em frente à Vale, foram cobertos de lama. A PM reprimiu. Nossas intervenções não foram reprimidas. Se não fizermos isso, a tragédia vai ser esquecida pela mídia. Vamos construir uma Agenda de Lutas para manter o assunto na imprensa.”

 

(Site CUT/MG – Rogério Hilário – 23/11/15)

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