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Contra resistência do empresariado, trabalhadores lutam para aumentar pena para trabalho escravo

  • 04/02/2014


Há 19 anos, movimentos sociais batalham para aprovar PEC, que esbarra no lobby da bancada ruralista

À primeira vista, parece ser a oferta de um trabalho decente. O trabalhador sai de sua região e vai para outras com a esperança de um salário maior e de condições para ajudar a família na terra natal. Mas a realidade pode ser outra. E quando esse trabalhador se dá conta,já está nas mãos dos patrões.

Até a abolição da escravidão no Brasil, o trabalho escravo tinha como definição o uso da mão de obra para atividades forçadas. Os escravos – negros africanos em sua maioria e índios – eram  propriedades de seus senhores.  Àquela época, escravos eram utilizados em lavouras e trabalhos pesados e se configuravam como parte do patrimônio de latifundiários. No século XXI a escravidão continua, mas de outra forma.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, quatro elementos podem configurar trabalho em condições semelhantes à escravidão nos dias de hoje: trabalhos forçados, jornada extenuante, condições degradantes e servidão por dívida. O artigo ainda deixa claro que é crime passível de cadeia ao empregador, urbano ou rural, quando seja constatada, além desses pontos, a retenção de documentos, como a carteira profissional.  A Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Organizações Unidas (ONU) direcionada ao trabalho decente, considera o artigo consistente com a Convenção nº 29 da entidade. Ao ratificar a convenção, o país se compromete a eliminar o trabalho forçado ou obrigatório em seu território.  E o Brasil ratificou a convenção em 1957.

No entanto, um passo decisivo na história foi o ex-presidente Lula reconhecer que no Brasil ainda há trabalho escravo. Tal fato fez com que o debate ganhasse força e a Proposta de Emenda Constitucional(PEC) 438/01, que na época tramitava no Congresso, avançasse de forma eficaz para a aprovação.

A PEC foi aprovada no dia 22 de maio de 2012. A proposta permite a expropriação de imóveis rurais e urbanos onde a fiscalização encontrar exploração de trabalho escravo. Esses imóveis serão destinados à reforma agrária ou a programas de habitação popular. A aprovação se deu após grande mobilização do movimento sindical, movimentos sociais, e de outras personalidades.

A proposta determina que propriedades onde seja constatado o trabalho escravo devam ser revertidas à reforma agrária. Os movimentos sociais tinha grande expectativa em relação à PEC, mas um entrave se tornou o obstáculo principal para a aprovação.

Segundo o Secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, o trabalho escravo ainda ocorre no Brasil por conta relação capital X trabalho. O dirigente avalia que em um país de capitalismo atrasado, a busca famigerada pelo lucro, a concentração de renda e a pouca clareza do empresariado brasileiro, sobretudo na zona rural, faz com que trabalhadores acabem se submetendo a condições degradantes de trabalho. “É inadmissível que, em pleno século 21, com o Brasil discutindo agendas do trabalho decente, ainda haja trabalho escravo. E o capital, a concentração de renda, a mais valia feroz ainda persistam em alguns setores”, completa o secretário.

Justamente  essa ganância, como classifica Solaney, é que rege a política adotada pela bancada ruralista, que impede o avanço da PEC 438. A definição de trabalho escravo,  embasada pelo Código Penal, não é aceita pelos parlamentares, que defendem os interesses do agronegócio.  A argumentação é de que o conceito seja banalizado e possa ser confundido com um não cumprimento de leis trabalhistas pelos auditores do trabalho, que fiscalizam as denúncias. A forma de avaliação ocasionaria diferença na pena. Para trabalho escravo, a expropriação de terras. Para leis trabalhistas não cumpridas, seriam aplicadas multas, sem prejuízo de bens imóveis.

Solaney exemplifica: “Se um auditor chega a um determinado local de trabalho e não tem água em filtro, não há cama, não há colchão, nem travesseiro, pode considerar aquela condição como trabalho escravo e a propriedade então é considerada para reforma agrária (no caso de propriedades rurais). Esse é o medo da bancada ruralista. No entanto temos a plena convicção de que os auditores do trabalho tem absoluta competência para avaliar os casos e saber diferenciar leis trabalhistas de trabalho escravo. O que eles têm é medo de perder a terra. E querem brecha para continuar explorando.”

O dirigente lembra que até hoje nenhuma das ações de fiscalização e nenhuma das diligências considerou como trabalho escravo situações que não estivessem dentro das classificações do artigo 149 do Código Penal.

Solaney afirma que a CUT e suas entidades filiadas têm acompanhado as ações e constatado: se não há essas condições, não há autuação por trabalho escravo e sim por descumprimento a leis trabalhistas.

A rigor, segundo o dirigente, é uma questão legislativa. Solaney analisa que há falta de vontade política para bancar o debate e aprovar a PEC 438. “Nós temos já 19 anos de debate. Não Há vontade política. O Governo Federal e Secretaria de Direitos Humanos têm feito sua parte – de não recuar sobre o que está escrito, sobretudo no Código Penal. Não é o que faz o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que sintonizado com a bancada ruralista, usa o mesmo discurso, dizendo que ficaria ao bel prazer dos auditores do trabalho caracterizar a condição de trabalho escravo. A PEC foi aprovada pelo Congresso Nacional há dois anos. Nós não podemos retroceder. Temos que avançar”.

Solaney lamenta que o conceito de trabalho escravo ainda esteja sendo discutido. “Quando você está terminando de fazer, volta tudo e tem que refazer, porque a forma de legislar no Brasil é complexa. Há interesses do capital por trás, há a necessidade de reproduzir, concentrar renda. Esse é um Brasil que ainda vivemos”.

A CUT acompanha luta contra o trabalho escravo e pela aprovação da PEC 438. Expedito Solaney afirma que a Central continuará denunciando e exigindo do governo a coragem política para estabelecer as regras.

Expectativa – Expedito Solaney não fala em otimismo, mas acredita que existam três fatores que se consumados, podem acabar com o trabalho escravo em até dois anos: a garantia de trabalho decente, a regulamentação da convenção 158 da OIT e a redução da jornada de trabalho. No entanto, ele lembra que 2014 é um ano de eleição e será um ano de “enrolação” política. Para ele, a barganha dos ruralistas é muito grande o que o faz acreditar que o governo não enfrentará a bancada ruralista.

Você sabia?

Preocupação internacional da CUT

Contra a exploração da mão de obra estrangeira, a CUT defende a livre circulação no Mercosul além das relações comerciais. No Brasil, o trabalho escravo atinge um grande número de trabalhadores bolivianos e paraguaios que, por conta de sua situação ilegal no país, se submetem às condições degradantes de trabalho. O inverso traria segurança jurídica aos trabalhadores, além de lhes garantir direitos como à Previdência Social.

Trabalhadores libertados

Ao longo da última década, 49 mil trabalhadores em condições de escravidão contemporânea foram libertados. As denúncias são feitas geralmente através do Disque 100 ou quando trabalhadores conseguem furar o cerco dos patrões e os denunciam às autoridades.

Barracão

Uma das formas mais comuns de trabalho escravo contemporâneo é a contração de dívidas. O caso se dá quando o trabalhador se vê obrigado a consumir produtos como alimentos, roupas e de limpeza, vendidos pelos próprios patrões. As contas no final são, geralmente, negativas para o trabalhador, que acaba devendo até mais do que ganha, ficando à mercê do poderio patronal.

Déficit

Atualmente, o Brasil tem uma defasagem de aproximadamente 800 auditores do trabalho.

(Site CUT Nacional – 31.01.14 – André Accarini)



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