Movimentos sociais se articulam por uma nova lei para os migrantes

Atual legislação construída durante ditadura militar trata estrangeiros como ameaça e esbarra na burocracia

O mais recente levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2012, aponta que entre 2000 e 2010, o número de migrantes quase dobrou, passou de 143,6 mil para 268,4 mil em todo o país. Ao menos esses são os dados oficiais.

Independente de prováveis contrastes com o real número de estrangeiros que residem no Brasil, a unanimidade entre os especialistas é que a legislação brasileira não acompanhou o crescimento das migrações.

A principal razão é o atual Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80) ser pensado sob a ótica da Lei da Segurança Nacional, do período da ditadura militar, que trata o migrante de uma maneira desigual e como uma ameaça ao Estado.

A construção de um novo marco para regular a imigração é uma reivindicação antiga e deu um grande passo com a realização da 1ª Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio (Comigrar) nos últimos dias 30, 31 de maio e 1º de junho, em São Paulo. O encontro histórico reuniu governos e entidades civis para debater parâmetros de uma legislação inclusiva.

“Queremos uma norma a partir do paradigma dos direitos humanos, da livre circulação de pessoas, da integração regional. E essa conferência foi resultado dessas reivindicações”, comentou o assessor da Secretaria de Relações Internacionais da CUT, Alexandre Bento.

A etapa nacional da conferência foi precedida por outras estaduais, municipais e livres, uma delas promovida pela CUT, também protagonista nessa luta. Em2008, a Central defendeu uma campanha pelos migrantes indocumentados e em defesa da anistia das multas para que pudessem regularizar a situação. Posteriormente, compreendeu-se que apenas isso não resolveria a situação e seria necessária uma política pública de inclusão na plenitude, o que gerou uma série de iniciativas por mudanças na atual lei.

Eleito delegado para o Comigrar na conferência livre que a Central promoveu, Bento explica que uma das propostas levadas ao encontro trata da liberdade e autonomia sindical também para os estrangeiros. Ao contrário das normas atuais, a ideia é que os migrantes tenham acesso a direitos previdenciários, políticas públicas, saúde, educação e também à sindicalização.

Um dos eixos trata justamente do direito ao trabalho decente aos migrantes e refugiados que se encontrem no Brasil, independente da situação de regularidade migratória.

“Enquanto vemos restrições aos migrantes no mundo todo, o Brasil abre possibilidade de construir políticas públicas e fazer uma leitura humana. E não se restringe a atender apenas aos interesses de multinacionais, para as quais é necessário abrir as fronteiras, quando precisam de mão de obra barata, e extraditar os migrantes, quando a crise aperta”, criticou.

Mudanças na prática

Uma comissão de especialistas trabalha junto ao Ministério da Justiça para apresentar uma nova lei do estrangeiro, ainda no início da discussão. Uma das propostas que conta com o apoio da CUT é a criação de um órgão nacional migratório vinculado à presidência da República, que substituiria o trabalho administrativo de emissão de passaportes e de entrada e saída de migrantes da Polícia Federal (PF).  Na prática, uma forma de humanizar o processo.

“Não vai tirar da PF o controle das fronteiras. Mas o acesso à documentação e a regularização dos migrantes tem de ser feito por um servidor do Estado capacitado para isso e não um policial”, defende Bento.

Visão humanitária

Para o secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, o novo marco para os estrangeiros não pode deixar de incluir a estruturação de uma rede nacional de atendimento e apoio ao migrante. Não somente por ela inexistir hoje, mas também por ser impossível ignorar a demanda social crescente por serviços públicos.

Abrão acredita que a Comigrar fez com que as organizações da sociedade civil que não atuavam juntas em defesa da cidadania dos migrantes pudessem se aproximar para discutir a unidade e assim atuar juntas contra tentativas de retrocessos.

“Há pouco tempo fomos nós que necessitamos de ajuda estrangeira para receber os exilados da ditadura, fomos nós que criticamos o tratamento que países europeus e da América do Norte davam a brasileiros no exterior. Ou acreditamos que os direitos das pessoas devem ser respeitados, independente de onde estejam, ou passaremos a afirmar visões conservadoras que ao longo do tempo vitimaram muitos dos brasileiros”, comentou.

O secretário lembrou ainda que a questão migratória não é um problema para o Brasil, onde os estrangeiros representam apenas 0,7% da população. Para citar países vizinhos, na Argentina são 5%. “Precisamos fazer uma grande filtragem e atualização nas nossas normas para tirar dispositivos restritivos que são obstáculos para pessoas exercerem seus direitos. Hoje os migrantes já participam da vida tributária, já pagam seus impostos, declaram seus impostos de renda, mantém um mecanismo de arrecadação de tributos que financia a prestação de serviço, portanto, têm direito de usufruir dos serviços de saúde, educação, transporte, como qualquer brasileiro”.

Burocracia

Como outros setores da sociedade brasileira, o presidente do Conselho Nacional de Imigração, Paulo Sérgio de Almeida, defende que o novo marco combata a burocracia. “A nova lei deve estabelecer claramente o conjunto de direitos e deveres. Hoje o estrangeiro tem mais deveres e, mesmo os direitos que estão previstos na Constituição, não são respeitados. Precisamos ter procedimentos mais simples. O estrangeiro que quiser mudar de categoria migratória, por exemplo, precisa sair do país, o estudante não pode arrumar trabalho. Essa lei também deve tratar dos indocumentados, quem entrou sem visto, quem ficou sem poder ficar para que, na medida em que as pessoas se estabeleçam, criam vínculos com o país, possam ter mecanismos de documentação. A legislação atual veda isso”, lamenta.

(Site CUT Nacional – 03.06.14 – Luiz Carvalho e Vanessa Ramos)

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