O balanço da educação que Minas Gerais não viu

Divulgado há poucas semanas pelo governo estadual, o balanço da educação em Minas Gerais referente ao ano de 2013 trouxe uma enxurrada de números positivos. Jornais e portais de notícias reproduziram dados da secretaria sobre melhorias para os servidores públicos, investimentos em estrutura física e transporte escolar, além de uma série de estatísticas que apontaram o estado como vitorioso no processo da educação. Entretanto, diante de um cenário que parece tão favorável, especialistas apontam falhas graves e alertam que a educação em Minas Gerais ainda está muito longe do ideal.

Um dos primeiros pontos destacados pelo balanço da Secretaria de Educação é o investimento de R$159,3 milhões na melhoria da rede física das unidades escolares em todas as regiões do estado. De acordo com o governo, os recursos foram investidos tanto em construção de novas escolas, quanto em reformas e compra de mobiliário e equipamentos.

Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Programa Pensar a Educação Pensar Brasil, Luciano Mendes,  é difícil entender esse montante de investimento sem levar em conta o tamanho e necessidade da rede. Ele acredita que a divulgação de milhões não faz sentido quando não se sabe quanto desse dinheiro é necessário para garantir uma boa estrutura física escolar. Mas, mesmo sem o governo apontar o tamanho de sua carência frente aos seus recursos, o professor adianta que o estado não atende a necessidade de seus estudantes.

“Ainda faltam elementos estruturais para um atendimento que garanta os direitos da criança na escola pública de Minas Gerais. Temos muito o que avançar na melhor ocupação do espaço, conservação dos prédios, divisão adequada das escolas”, avalia. Segundo Mendes, na maioria das escolas faltam espaços que promovam boas relações entre as próprias crianças  e entre os estudantes e a sociedade. “E se isso é verdade para rede de educação, é muito marcante também educação infantil:  boa parte do atendimento às crianças até cinco anos não é feito pelas Umeis, pois elas não atendem toda a demanda”, critica.

A coordenadora geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE MG), Beatriz Cerqueira, afirma que esses investimentos anunciados não são vistos no dia a dia das escolas. “Em outubro deste ano o Dieese lançou um estudo que mostra como está a infraestrutura das escolas estaduais. É impressionante a quantidade de unidades que sequer têm lugar para os alunos comerem”, frisa.

Ela afirma que, de acordo com o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI), o estado tem a pior colocação em qualidade da escola de Ensino Médio, comparado à média nacional. Em 96% das escolas não há sala de leitura, 49% não têm quadra de esportes e 64% não têm laboratório de ciências. Ela também cita o Censo Escolar 2010, que apontou a estrutura precária das escolas estaduais mineiras do Ensino Fundamental: 76% não possuem laboratório de ciências, 55% não têm quadra de esporte e 11% não oferecem biblioteca.

Transporte escolar

O balanço do governo também trouxe os números em relação ao transporte escolar no estado. De acordo com a Secretaria de Educação, em 2013, foram doados veículos escolares a 250 cidades, totalizando um investimento de R$ 34,8 milhões. Além disso, o governo repassou às prefeituras R$197,2 milhões para a manutenção do transporte escolar de alunos da rede estadual.

O professor da faculdade de educação da UFMG acredita que o estado de fato avançou nas políticas públicas para transporte escolar, entretanto ele frisa que isso ainda não foi suficiente para superar alguns gargalos, como a qualidade desses transportes e o tempo gasto pelas crianças dentro dos ônibus. “Precisamos de uma politica que considere os direitos da criança em ter um transporte até a escola, mas que também garanta o conforto dela. A qualidade de vida dos alunos tem que ser levada em conta,  não é só colocá-los em um ônibus”, critica. De acordo com ele, há estudantes que passam até três horas por dia dentro de um transporte e isso pode afetar seus estudos.

Paz nas escolas

Outro ponto destacado no balanço da educação foram as medidas em favor da paz nas escolas. De acordo com o governo, uma das iniciativas foi o Fórum de Promoção da Paz Escolar (Forpaz), que é uma rede que reúne instituições que atuam como suporte para os diretores e educadores no enfrentamento de problemas que possam gerar violência. Segundo o balanço, o programa realizou 15 Fóruns Regionais, capacitando 4,2 mil educadores. Além disso, a secretaria informou que está instalando câmeras de segurança nas escolas, investindo R$14,5 milhões nesses e em outros equipamentos.

A coodenadora geral do Sind-UTE MG destaca, porém, que o Forpaz não tem sido eficiente na prática. Ela afirma que a Secretaria de Educação nega a situação de violência no ambiente escolar e a trata como um problema isolado, pressionando o professor a não denunciar a agressão sofrida. “O que reivindicamos é um protocolo de atendimento para situações de violência com todo suporte necessário para a vítima e escola. Hoje não há nada além de palestras”, critica

O professor Luciano Mendes também alerta que o problema da violência nas escolas deve ser tratado de uma forma muito mais ampla. Ele afirma que a escola não pode achar que vai promover a paz sozinha, pois existem vários atores da sociedade envolvidos nesse processo. “As escolas têm que envolver a sociedade: não adianta tentar promover a paz dentro da escola se a comunidade ao redor não tem paz. A violência tem a ver com questões sociais, de desigualdade, de concentração de riqueza”, frisa.

Decisões arbitrárias

O Programa de Intervenção Pedagógica (PIP) também ganhou espaço no balanço de 2013 da Secretaria de Educação. De acordo com o governo, todos os municípios mineiros aderiram à metodologia aplicada aos alunos 1º ao 5º ano, fase em que o estudante consolida todo o conhecimento que o prepara para o restante da educação básica. De acordo com o balanço, a secretaria está investindo R$27 milhões em recursos para ações de capacitação, monitoramento, avaliação e material didático do PIP.

De acordo com Beatriz Cerqueira, o estado faz grande propaganda do programa, mas ele não é elaborado e nem executado por professores ou pedagogos da rede estadual, mas por um serviço terceirizado por meio da Fundação Renato Azeredo.  “O que a secretaria fez foi aumentar o volume de contratos dessa fundação.  É inaceitável essa situação de retirar do professor a condição de sujeito do processo educativo , como quem elabora e pesquisa”, reclama.

Da mesma forma ela critica a não participação dos professores no programa Reinventando o Ensino Médio, que, segundo o balanço da educação, será universalizado na rede estadual a partir de 2014. Segundo ela, o programa que aumenta a carga horária para 3.000 horas-aulas nos três anos do ensino médio não foi discutido com a sociedade. “Em Minas Gerais não há instrumentos de participação da comunidade escolar na elaboração de politicas públicas”, conclui.

Estatísticas positivas escondem números assustadores

O balanço da Secretaria de Educação também traz uma série de levantamentos com números muito positivos sobre a educação mineira. É o caso do Programa de Avaliação da Alfabetização (Proalfa), que revelou que 87,3% dos alunos avaliados da rede estadual do estado atingiram o nível adequado de letramento. Há também as estatísticas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que coloca a rede estadual mineira entre as melhores do país em todos os níveis avaliados.

A secretaria ainda cita o sucesso dos alunos mineiros nas Olimpíadas de Matemática: pela sétima vez consecutiva, Minas Gerais conquistou o maior número de ouros e também o primeiro lugar no ranking total de medalhas. Por fim, o balanço destaca o avanço no conhecimento em Português e Matemática dos alunos da rede estadual apontado pelo Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb).

Mas, a coordenadora geral do Sind-UTE MG afirma que os números não refletem a realidade completa. A começar pela educação básica, que não atende toda a demanda. “Nem todas as crianças e adolescentes têm vaga garantida na rede pública. Um recente estudo do Dieese apurou que, em Minas Gerais, faltam cerca de um milhão de vagas no Ensino Médio. Esses adolescentes são empurrados para a rede privada, que cresceu cerca de 10% nos últimos anos”, afirma.

Da mesma forma, a educação infantil é destacada por Beatriz Cerqueira como um serviço com muitas carências. De acordo com ela, apenas 35% das crianças de 0 a 5 anos tiveram acesso a uma vaga na rede pública este ano. Ela cita, ainda, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que aponta que apenas 30,7% dos estudantes da rede estadual encontram-se num estágio recomendável em leitura, 18,8% em nível recomendável em matemática e 25% em nível recomendável em ciências.

“No que se refere à qualidade da educação, o estado de Minas Gerais tem resultado abaixo da média da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, completa. Ainda de acordo com Beatriz Cerqueira, o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI) mostra que 93,4% das crianças de 6 a 14 anos estão na escola, mas apenas 68% dos adolescentes de 16 anos e 48,5% dos jovens de 19 anos conseguem concluí-lo.

Minas Gerais não atingiu metas do Todos Pela Educação

Entre os números apontados pelo balanço, a secretaria cita o o relatório “De Olho nas Metas”, do movimento Todos Pela Educação. De acordo com o governo, o estado aparece nas primeiras posições nos índices relacionados ao desempenho dos estudantes em Português e Matemática. Entretanto, a gerente da área técnica do Todos Pela Educação, Alejandra Miraz, afirma que Minas Gerais só atingiu as metas em português, no nono ano, e em matemática, no quinto ano. Em outras séries, o desempenho é baixo, como é o caso de matemática no ensino médio, onde apenas 15% dos alunos alcançaram desempenho adequado.

“Os números não de se festejar: se você comprar com estados mais pobres, Minas Gerais estará muito bem, mas não é que está bom, o estado não pode baixar a guarda”, alerta. Ela destaca que Minas Gerais não atingiu todas as metas de bom desempenho do relatório e, por isso, terá que correr rápido atrás do prejuízo. A gerente também destaca que o estado tem grande desigualdade na qualidade de ensino entre seus municípios. “Ao olhar para esse percentual é importante lembrar da desigualdade no ensino. Esse é um dado geral, mas temos situações bem diversas: uma cidade pode ter se saído bem, mas outra não. É preciso analisar isso para o desenvolvimento de politicas diferenciadas para quem não está conseguindo atingir as metas”, frisa.

 

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