Resistência e Luta da Educação no México

Intolerância a quem pensa diferente, perseguições, mortes de lideranças populares e sindicais, mais de 500 prisões políticas e o desaparecimento de 43 estudantes mexicanos depois de uma investida policial na cidade de Oaxaca, no México. Aliado a tudo isso, uma reforma administrativa educacional que massacra, exclui, demite e retira direitos e garantias dos trabalhadores/as da educação. Todos esses absurdos foram narrados e denunciados pelos professores Gabriela Vasquez da Universidade do México e José Antônio Altamirano Ojeda, de Oaxaca, durante participação de ambos na mesa de debates “Resistência e Luta da Educação no México”, do Encontro Latinoamericano sobre Educação Pública, no dia 08 de julho último.

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José Antônio Ojeda é professor em Oaxaca e a Dra. Gabriela Vasquez integra o Programa de pós-graduação de Estudos Latinoamercianos (UACM). Eles responsabilizam o governo do presidente Enrique Peña Nieto por tragédias e crimes hediondos que tem assustado a comunidade internacional e vem motivando confrontos e mobilizações constantes em vários pontos do país.

Ao contextualizar o cenário degradante por que passa o setor educacional do México, Gabriela Vasquez, detalhou como o governo mexicano vem tratando a educação pública e os seus mais de 150 mil docentes.

Segundo ela, um plano neoliberal construído a partir de um acordo de 2008 entre o México e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, deu início a essa terrível reforma, cujos objetivos são padronizar e privatizar o sistema de educação pública daquele país. “Não temos dúvidas de que também querem enfraquecer o sindicato dos professores, que estão exigindo mais investimento em educação, liberdade para todos os presos políticos, verdade e justiça para os 43 estudantes desaparecidos de Oaxaca”, afirmou.

Sistema de destruição

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No México qualquer um, de acordo com Gabriela Vasquez, pode ser professor, independentemente de estudo, capacitação e formação para essa profissão. Também não se considera o tempo dedicado à sala de aula.

Para selecionar esses profissionais, o governo, a cada quatro anos, realiza um exame e dependendo dos resultados aprova ou não os candidatos. A reforma educacional, com base nos parâmetros da Lei Federal do Trabalho, classifica os professores como de conhecimento suficiente ou insuficiente, idôneos ou inidôneos, adequados ou inadequados.

O governo demite o profissional que tem conhecimento classificado como insuficiente na quarta avaliação e sua dispensa é feita sem garantias de direitos. O mesmo acontece para os casos de quatro faltas acumuladas consecutivamente e sem justificativas. A lei que regulamentou essa reforma educacional do México está em vigor desde 2013.

A professora destacou ainda que, no último exame, realizado em março deste ano, 15% dos mais de 150 mil docentes receberam avaliação como insuficientes e cerca de 5 mil, por não concordarem com esse sistema, não se apresentaram para a avaliação e foram sumariamente demitidos. “O governo desconsidera direitos trabalhistas, pune de maneira injusta e desleal os docentes e não leva em consideração as particularidades do trabalho em comunidades rurais”.

A controversa da reforma educacional adotada no país gerou protestos violentos em diversos estados, especialmente em Oaxaca , Guerrero (Sul), Michoacán (oeste) e Chiapas (Sudeste). Essa proposta tem sido rechaçada pela comunidade nos 31 estados do México e no Distrito Federal e tem motivado os/as educadores/as a manter uma greve deflagrada, desde maio deste ano, e a realizar diversas mobilizações com fechamento de rodovias.

Rumo a uma greve única e nacional

Foi assim que o professor José Antônio Ojeda embasou sua fala, buscando fortalecer seu discurso na proposta de uma união ampla dos povos da América Latina.

“Precisamos acumular forças e a unidade é base para isso aconteça”, afirmou.
Desde o dia 15 de maio último, os docentes do México sustentam uma greve que, a cada dia, ganha o apoio de estudantes e seus pais. “São eles que nos mantêm fortalecidos, que nos apóiam e nos levam comida e bebida para que possamos aguentar firmes. É assim que estamos dando visibilidade ao movimento de resistência a essa reforma educacional. Estamos mostrando como esse governo pretende destruir a escola pública, a escola normal, onde se formam os normalistas, ou seja, os professores que vão trabalhar nas comunidades rurais”, disse Ojeda. Ele informou também que há disposição de todos para lutar ainda contra as reformas estruturais, que impõem, inclusive, o cerceamento da liberdade de expressão e motivam tantas prisões políticas, que hoje já se somam em mais de 500.

“¡ Vivos se los llevaron, vivos los queremos!”

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O apelo é forte e embala a expectativas de pais, mães e amigos dos 43 estudantes desaparecidos no México desde setembro de 2014. É assim que a comunidade exige respostas imediatas do governo se posiciona hoje como sendo esse um crime de lesa a humanidade.

Durante no Encontro Latinoamericano sobre Educação Pública, o professor José Antônio Ojeda, afirmou que o governo tem a obrigação de dar respostas urgências sobre o desaparecimento desses jovens, a maioria entre 18 e 21 anos, alunos da Escola Rural Raúl Isidro Burgos, de Ayotzinapa, cidade que fica 125 km distante de Iguala.

Eles eram estudantes, que se preparavam para serem professores nessa região rural mexicana. Viajavam para a cidade de Iguala, em 26 de setembro do ano passado, a fim de arrecadar fundos para sua escola, e os ônibus em que estavam foram tomados à força pela polícia. Seus pais estão à espera de receber seus filhos. ¡ Vivos se los llevaron, vivos los queremos!, frisou o professor.

Criminalizar para enfraquecer

Os professores de Oaxaca e de outros estados acusam o governo de propor essas leis como uma forma de criminalizar o movimento e demitir os professores mais combativos, enfraquecendo a organização dos trabalhadores nestas regiões. A transformação educativa não deve acontecer fora das instituições formadoras de docentes. O que os profissionais da educação do México querem é uma educação do povo e para o povo.

No processo da luta pedagógica que se trava no país, o professor diz que estão sendo realizados constantes fóruns a fim de colocar em debate os direitos dos trabalhadores e a necessidade de se implantar a verdadeira educação, diferente da que vem sendo imposta pelo governo.

Em relação à luta política, especialmente contra o processo injusto de avaliação dos docentes, além de recursos e amparos legais, José Antônio afirma que a comunidade (pais e estudantes) têm sido extremamente solidários aos milhares de educadores em greve e que há um enfrentamento às ameaças da Polícia Federal e do governo do México, que não intimidam aqueles que fazem a luta. “Além da comunidade, estamos sendo fortalecidos pelo apoio da sociedade em geral e de sindicatos democráticos. A esse processo de luta e resistências nós chamamos de acumulação de forças para construir uma frente única nacional.”

Força na luta

Os grevistas mantêm um plantão ativo e, diariamente, definem o dia de amanhã e quais serão os próximos passos da luta e realizam ações em todo o país, com bloqueios de estradas e interceptação de veículos que entram no país levando produtos de empresas transnacionais. “Queremos impedir que nos encham de coca-cola e de frituras, queremos salvar nossos empregos, as escolas onde se formam os futuros professores e que o governo quer destruir, e mais do que nunca, queremos a volta dos nossos jovens estudantes desaparecidos.”

Hoje no México, há também uma grande batalha contra todas as reformas estruturais e neoliberais da reforma educacional e os movimentos de resistência exigem a libertação dos presos políticos que ousaram falar e denunciar todo este estado de coisas. Em resposta a arrogância do governo, que repreende esses movimentos dizendo que eles são inimigos do Estado, cresce a mobilização do povo em defesa da educação pública que já extrapolou as fronteiras do país.

Contribuições

Ao concluir, o professor Ojeda, deixou algumas propostas a serem encaminhadas pela organização do Encontro. Foram entregues três documentos que integrarão a memória do evento. Um dos documentos exige justiça para companheiros mortos; o outro pede liberdade a todos os presos políticos do México e um terceiro pede a imediata apresentação dos 43 estudantes desaparecidos e dos milhares de desaparecidos mexicanos.

Outra proposta sugerida é para que haja uma mobilização conjunta em defesa da educação pública e para que sejam organizados fóruns para reforçar essa luta e a defesa dos direitos humanos na América Latina. “Unidos e organizados venceremos. Estamos num processo de luta de classe, enfrentamento do capital e não devemos abrir mão deste espaço para a classe dominante. Se não nos deixam sonhar, não os deixaremos dormir”, disse Ojeda.

A exemplo do Brasil que hoje grita “Fora Temer”, foi lembrado que no México ecoa o grito contra um também inimigo do povo. “Fora Peña!” se referindo ao presidente da República do México, Enrique Peña Nieto. “Aos fascistas e aos imperialistas queremos dizer que a classe trabalhadora está se organizado e se mobilizando de maneira coletiva”.

Agenda confirmada 

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A vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, Fátima Silva, confirmou que, no próximo dia 12 de julho, às 11 horas, lideranças de entidades sindicais, entre elas a CUT e a CNTE, serão recebidas pela embaixadora do México no Brasil, quando todas essas questões serão levadas e um documento pedindo providências das autoridades competentes será protocolado.

Ela afirmou que tanto a Confederação quanto a Central Única dos Trabalhadores reconhecem a luta do México, do povo com as suas demandas sociais e que os episódios de opressão e repressão ao magistério são veementemente condenáveis. “A educação têm a solidariedade e a indignação de todas as afiliadas da Internacional da Educação, que já encaminhou um documento ao governo mexicano exigindo respeito aos educadores e ao povo daquele país.”

Invisibilidade

Apesar de todas essas circunstâncias e da possibilidade real de uma verdadeira revolução no México, dos muitos e constantes confrontos sangrentos, o assunto, segundo denúncias de lideranças sindicais e educacionais que participaram do Encontro, não se vê registros dessa triste realidade nos meios de comunicação do Brasil, o que também confirma a mordaça imposta à grande mídia e, por conseguinte, o cerceamento à liberdade de expressão.

Essa mesa foi coordenada pela professora Lecioni Pereira Pinto, diretora estadual e coordenadora do departamento Jurídico do Sind-UTE/MG e Jéssica Sales, coordenadora do DCE da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e do Levante Popular da Juventude.

Textos: Studium Eficaz e Fotos: Lidyane Ponciano/Sind-UTE/MG

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